06 agosto 2007

O PT e a visão paranóica da mídia

Não é de hoje que Lula e PT mantêm relações esquizofrênicas com a mídia. Ambos lhe devem a projeção que têm. São frutos da liberdade de imprensa. Sem a “mídia burguesa” e “privada”, que tanto abominam, não teriam ascendido ao patamar em que estão.

Se, ao tempo em que Lula projetou-se como líder sindical, nos anos 80, vigesse o modelo de mídia que o PT proclama ideal – a estatal – a sociedade brasileira sequer teria tomado conhecimento da existência daquele sindicalismo que emergia no ABC paulista.

Se dependesse da boa vontade de quem geria o Estado brasileiro naquela oportunidade - os militares -, Lula jamais sairia do anonimato. Quem o fez conhecido, vocalizando sua luta e de seus correligionários, foi exatamente a mídia burguesa e privada - a mesma que o PT, hoje no poder, quer ver pelas costas.

Foi essa mídia que, com todos os seus múltiplos defeitos e fragilidades, enfrentou a censura, denunciou torturas e mortes nos subterrâneos do regime militar e permitiu que a sociedade brasileira não sucumbisse inteiramente ao arbítrio.

Foi pelas frestas que conseguiu manter abertas que novidades como Lula e PT vieram à tona, se estabeleceram e chegaram ao poder máximo do país. Isso não é juízo de valor - é História.

Mas a Executiva do PT reuniu-se esta semana e, no pleno exercício de sua amnésia política, desancou a “mídia privada”. Disse que é “instrumento e Estado-Maior” de uma campanha da “direita” para desestabilizar o governo Lula. Campanha golpista, claro. E conclamou a militância a reagir a essa “nova ofensiva”.

Manifesto e respectiva terminologia não resistem a uma depuração ginasiana. Antes de mais nada, o partido insiste no truque retórico - e intelectualmente desonesto - de que o mundo atual se divide entre direita e esquerda. E o que é pior: que o governo Lula estaria à esquerda. A afirmação é risível. Basta conferir alianças, equipe e políticas econômica e monetária em curso - e, acima de tudo, afirmações recentes do próprio presidente da República.

Em diversas oportunidades, Lula afirmou que “jamais” foi de esquerda. Chegou uma vez a gracejar: “Não sou de esquerda; sou torneiro-mecânico”. Numa solenidade, em dezembro passado, disse que esquerda e maturidade não combinam.

A frase literal é:” Se você conhece uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque está com problema". Considerou isso - a direitização do esquerdista - fator de "evolução da espécie humana”, colocando compulsoriamente fora desse processo, entre outros, macróbios respeitabilíssimos - e confessadamente comunas - como Oscar Niemeyer (99 anos) e José Saramago (85 anos).

Portanto, soa ridículo, num governo que tem em sua base de apoio políticos de todos os naipes, da esquerda à direita, fisiológicos e ideológicos, falar em “conspiração da direita”.

Troque-se a expressão direita por “esquerda” ou “subversivo” e compare-se o texto da resolução com as ordens do dia dos tempos do regime militar: é a mesma retórica, a mesma indigência mental e estilística. A caça transmutou-se em caçador.

A resolução da Executiva mostra que o partido enxerga o desempenho do governo Lula por um viés exitoso e cor-de-rosa, que não coincide neste momento com o de parcela expressiva da sociedade brasileira. Fala em “sólido apoio popular” ao governo, contra o qual “a oposição recorre à manipulação e à mentira” para desgastá-lo.

Vê nas vaias a Lula, na abertura dos jogos Panamericanos, não uma circunstância trivial (e quase inevitável) da vida pública, mas “uma subida de tom da oposição”, tendo em vista “tanto as eleições de 2008 quanto as de 2010”. O apagão aéreo é visto como algo em que o governo deve figurar como vítima - e não como responsável.

A culpa, se há, cabe à mídia, que teve a ousadia de registrar os contratempos exibidos pelo setor - entre os quais, os dois maiores desastres aéreos da história da aviação civil brasileira.

Já a crise do mensalão - aquela que o procurador-geral da República, em notícia crime ao Supremo Tribunal Federal, considerou fruto da ação de uma “organização criminosa”, chefiada pelo então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu - o PT a atribui a “ataques da oposição de direita”. O hoje ministro Roberto Mangabeira Unger escreveu que se tratava do maior escândalo da história republicana brasileira - e pediu o impeachment do presidente Lula.

Por muito (mas muito mesmo) menos, o PT ocupou os espaços da mídia privada e burguesa nos anos 90 e levou Fernando Collor ao impeachment. No curso dos governos FHC, fez campanha pela deposição do presidente (“Fora FHC”), infernizou a vida de diversos de seus ministros e veiculou na mídia privada inúmeros pedidos de CPI - uns procedentes, outros não. O que importa é que, naquela ocasião, o partido via na mídia uma aliada e proclamava seu comportamento como patriótico. Hoje, diante de ações em tudo análogas, por parte de seus opositores, fala em conspiração.

A imprensa brasileira está longe da perfeição. Carece mesmo de exercícios mais constantes e consistentes de autocrítica. Reflete as fragilidades da sociedade que vocaliza e vive a crise de transição que o advento de novas tecnologias da informação lhe impôs.

Daí, porém, a ser “Estado-Maior” de uma “ofensiva da direita” vai uma distância maior que a que separa os redatores do manifesto da realidade. A mídia brasileira não é homogênea. É plural. Nela figuram, nos seus extremos, antigovernistas e governistas. Padecem da mesma patologia, mas estão longe de predominar.

A maioria acompanha perplexa o apocalipse em gotas, que é a realidade contemporânea de nosso país e de nosso planeta. Há limitações, má fé e até idealismo. Conspiração, porém, não. Seria necessária uma competência que não temos.

Nem nós, nem o país. Infelizmente.

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