Voto combinado na rede
No primeiro dia do julgamento do caso do mensalão no Supremo Tribunal Federal, troca de mensagens de computador entre os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia na sessão revelam conversas sobre detalhes de seus votos, confidências sobre a decisão de outro colega e até um possível reflexo do julgamento na sucessão do ministro Sepúlveda Pertence (aposentado recentemente). Nas mensagens, há reclamações sobre o novo presidente da 1ª Turma do STF, Marco Aurélio de Mello, e declarações sobre o poder de influenciar, no próximos três anos, decisões entre os distintos grupos que compõem o tribunal.
O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, fazia a sustentação oral da acusação quando os dois ministros iniciariam um batepapo pela intranet. A conversa, que durou horas e foi captada pelas lentes dos fotógrafos que acompanhavam o julgamento, contém indícios de que os dois ministros pretendem rejeitar parte da denúncia, desqualificando crimes imputados pelo Ministério Público a alguns dos acusados.
A conversa começou às 11h57. Separados por três metros, eles aprovam as palavras do procurador: “Ele está — corretamente — ‘jogando para a platéia’”, escreve Lewandowsky. “É, e tentativa de mostrar os fatos e amarrar as situações para explicar o que a denúncia não explicou...”, comenta Cármen.Pouco mais de 30 minutos depois, Lewandowski se rende: “Cármen: impressiona a sustentação do PGR”.
A ministra sugere uma reunião com assessores dos dois gabinetes. Os ministros indicam que pretendem aceitar, em parte, a denúncia. Uma das dúvidas se refere ao crime de peculato — uso de cargo público para apropriação ilegal de recursos ou bens. Lewandowski não está seguro se o crime pode ser imputado aos que não ocupavam cargo público à época — como José Genoino (então presidente do PT) e Silvio Pereira (ex-secretário-geral do PT) — ou não eram donos do dinheiro que circulou pelo valerioduto.
A denúncia pede que eles sejam processados como co-autores.“Minha dúvida é quanto ao peculato em co-autoria ou participação, mesmo para aqueles que não são funcionários públicos ou não tinham a posse direta do dinheiro”, diz ele. A dúvida é discutida em seguida com seu assessor, Davi de Paiva Costa. O assessor reafirma sua posição, mas se põe à disposição para alterar o voto do ministro.
Lewandowski firma posição: “Não, vamos ficar firmes nesse aspecto.Manifestei apenas uma dúvida”.
“O Cupido não vai aceitar nada”
Por volta das 16h, Lewandowski fala da nomeação do substituto de Pertence.Um dos mais cotados é o ministro do Superior Tribunal de Justiça Carlos Alberto Direito. Cármen diz: “Lewandowski, uma pessoa do STJ (depois lhe nomeio) ligou e disse [...] para me dar a notícia do nomeado (não em nome dele, como é óbvio) [...] mas a resposta foi que lá estão dizendo que os atos sairiam casados (aposent. e nom.) [aposentadoria e nomeação] e que haveria uma [...] de posse na sala da Professora e, depois, uma festa formal por causa [...] Ela (a que telefonou) é casada com alguém influente.” Em seguida, a ministra conta: “[...] O Cupido (sentado ao lado da ministra estava Eros Grau) acaba de afirmar aqui do lado que não vai aceitar nada (ilegível)”. Lewandowski mostra-se confuso com a mudança repentina de assunto: “Desculpe, mas estou na mesma, será que estamos falando da mesma coisa[?]”, pergunta ele. Ela esclarece: “Vou repetir: me foi dito pelo Cupido que vai votar pelo não recebimento da den. [denúncia] entendeu?” O ministro responde que compreendeu.
E comenta: “Ah. Agora, sim. Isso só corrobora que houve uma troca.
Isso quer dizer que o resultado desse julgamento era realmente importante [cai a conexão do computador]”. Cármen diz que o alertara antecipadamente e recebeu o comentário: “Interessante, não foi a impressão que tive na semana passada. Sabia que a coisa era importante, mas não que valia tanto”, escreveu Lewandowski.
A conversa segue com uma avaliação de Cármen Lúcia: “Não sei, Lewandowski, temos ainda três anos de ‘domínio possível do grupo’, estamos com problema na turma por causa do novo chefe [o novo chefe da primeira turma do STF, da qual os dois fazem parte, é o ministro Marco Aurélio de Melo], vai ficar (ilegível) e não apenas para mim e para v. [você] principalmente para mim, mas também acho, para os outros (Carlos e J.)[Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa, este pertencente à segunda turma]. Esse [Joaquim Barbosa, relator do caso] vai dar um salto social agora com esse julgamento, e o Carlinhos está em lua-demel com os dois aqui do lado”.
Cármen pede ao assessor Franke José Soares Rosa cópias de outras decisões para, se possível, recusar a acusação de formação de quadrilha contra um dos acusados. Enquanto os dois ministros trocavam confidências, Joaquim Barbosa lia notícias e artigos na internet. Um deles na Rádio do Moreno, do jornalista Jorge Bastos Moreno, no Globo On line.
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