Centralizador e turrão, Alckmin luta contra a falta de carisma, mas jamais perde a compostura nem fala palavrões
Carlos Marchi
O então secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, se surpreendeu com a pergunta - 'Os presos de São Paulo tomam leite longa vida ou leite de saquinho?' -, feita num inesperado telefonema dominical pelo governador Geraldo Alckmin; Furukawa simplesmente não sabia a resposta. A indagação gera ambigüidades: alguns, como Furukawa, a vêem como preocupação diligente do governante detalhista; outros, a situam como um excesso minimalista de quem não opera macroestratégia.Reservado, quase tímido, Alckmin sempre transmitiu a seus auxiliares alguns caracteres virtuosos: é um gestor público austero, disciplinado e estudioso dos problemas que enfrenta. Mas também passou alguns defeitos visíveis: a falta de carisma, notória nas campanhas eleitorais, também cria lacunas de liderança; afinal, ele governou São Paulo por cinco anos e só teve a seu lado, de forma incondicional, quadros modestos do seu partido.
Seus admiradores replicam: mesmo não formando um time de primeira, atropelou o experiente José Serra na disputa pela candidatura do PSDB, o que mostra competência política. Mas, durante o seu governo, nas duas últimas eleições paulistas, o PSDB não forjou um candidato sólido para disputar a Prefeitura de São Paulo, em 2004, e o governo estadual, em 2006; nos dois casos, a solução que o partido improvisou foi se socorrer com Serra, que venceu ambos.
VIRTUDES E DEFEITOS
Entre as virtudes de Alckmin, alinham a educação e a lealdade aos pactos firmados; entre os defeitos, sugerem o menosprezo a decisões coletivas e a fama de centralizador. Mas Alckmin (ou 'Geraldo', como a maioria das pessoas agora o trata) é assim: nunca toma decisões com um coletivo. Prefere ouvir as pessoas individualmente; coleta as opiniões e depois decide - ele, sozinho. Um ponto a seu favor é a impassibilidade com que ouve elogios ou críticas, sem mover um músculo do rosto, sem dar pistas sobre seus sentimentos e tendências.
É frio, mas às vezes ferve em silêncio. Depois de perder a Mesa da Assembléia paulista, passou seis meses sem falar com o deputado estadual Rodrigo Garcia, do PFL, que se aliou ao PT e a um grupo fisiológico da Assembléia para ganhar a presidência da Casa. Em seguida, amuado, Alckmin indicou como líder do governo na Assembléia o deputado Edson Aparecido, justo o que tinha sido derrotado por Rodrigo. Por conta desse gesto típico de um turrão, durante um bom tempo teve dificuldades nas relações do governo estadual com o Legislativo.
Nenhum assessor relata um só palavrão que tenha ouvido dele, em doze anos no governo de São Paulo, sete como vice-governador de Mário Covas e cinco como governador, ele próprio. Ninguém, também, lembra que tenha elevado a voz com alguém. Suas eventuais irritações são silenciosas - um 'gelo' no causador é o máximo de efeito que revela. Todos dizem que ele tem uma capacidade de trabalho invejável e que distribui bem o tempo.
Muita gente acha que sua forma de fazer política tem algo de provinciano, formatado, talvez, em sua gestão da prefeitura de Pindamonhangaba. Mas Alckmin soube mostrar um perfil bem moderno quando promoveu avanços inovadores no governo de São Paulo - como as compras eletrônicas, com pregão pela internet, que praticamente extinguiram a corrupção nas licitações e deu um exemplo para o País inteiro. Ainda assim, ele mistura o micro com o macro, a solução das compras na internet com o leite dos detentos paulistas.
Se modernizou as licitações de São Paulo, manteve no tempo passado o seu modo de registrar memórias: carrega, o tempo todo, um caderno escolar, no qual anota tudo - nomes, dados e números, até conversas que mantém com assessores e visitantes a quem concedeu audiências. Não dissimula o gesto: no meio da conversa, se achar que o papo é interessante, saca o caderno e começa a anotar na frente do interlocutor.
'Ele é extremamente preocupado com o gasto público', conta Furukawa, revelando o final do capítulo do leite dos detentos: as penitenciárias serviam leite de saquinho, o que satisfez o governador. Por falar em penitenciária, Alckmin parece enfrentar as crises com equilíbrio emocional exigido aos grandes gestores públicos: 'Tem uma frieza inacreditável nas crises', afiança o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), seu chefe do Gabinete Civil por quatro anos. Segundo Madeira, ele ouve as opiniões e, ao sentir-se preparado, toma a decisão. 'Aí não tem quem mude mais a cabeça dele', observa.
Dizem que, sempre que tem de tomar uma decisão ou participar de um desafio político, Alckmin estuda muito os temas que vai abordar. Ninguém conhece seus métodos de memorização, mas ele evita a espontaneidade e tem horror ao improviso. O resultado é uma cansativa repetição de frases prontas, alguns bordões nem tão criativos - como as gastas 'sandálias da humildade' com que desfilou por toda a campanha presidencial - ou o epíteto de Santo Agostinho que tem sempre pronto à algibeira - 'prefiro os que me criticam, porque me corrigem, do que os que me adulam, porque me corrompem'.
Com as frases prontas que repete à exaustão, quando está no governo, passa uma imagem de ponderado e coerente; mas nas campanhas extingue as últimas possibilidades de emoção, além de exasperar seus seguidores com uma performance contida e a incapacidade de produzir superlativos, o que se revelou claramente agora, justo contra um adversário que opera bem as emoções e sabe ecoar os superlativos. Mas essa é sua fórmula desde o começo: prefeito de Pindamonhangaba, superava sua proverbial timidez para ir aos bairros, todas as semanas, ouvir as pessoas, conta sua antiga coordenadora de ações sociais, Sandra Tutihashi.
OUSADIA
Naquela época, no começo de tudo, era bem mais atirado: na prefeitura de Pinda, montou uma equipe que tinha entre 24 e 26 anos, que pensava as soluções mais ousadas para a cidade - e ele avalizava todas. Fiscalizava as obras montado numa Leonette de 50 HP: 'Naquela época ele era mais expansivo, mas no fundo sempre foi tímido', explica José Antônio Rodrigues, que foi seu secretário de Obras na prefeitura. Mas em Pinda sua timidez não era tão problemática, porque não tinha de enfrentar e domar grandes massas.
Alckmin estuda muito, mas às vezes esconde o que aprendeu, abafado por indecifráveis razões. Na campanha, foi triturado pelas acusações de Lula e do PT contra as privatizações do governo FHC. Poucos, no PSDB, estavam tão preparados para responder a esse tipo de crítica - foi ele quem comandou o Programa Estadual de Privatização (PED), ainda no governo Covas. Agora, quando Lula e o PT espicaçaram a sua candidatura com as privatizações do governo Fernando Henrique e Mário Covas, Alckmin, estranhamente, optou por não defender nem a privatização federal de FHC nem a privatização estadual dele mesmo, deixando a acusação encorpar - e não contou suas insondáveis razões a ninguém.
No entanto, todos o apontam como um bom piloto de crises. No governo de São Paulo, enfrentou as piores nas rebeliões de penitenciárias e da Febem, e saiu delas como entrou - sem grande alarde e sem se jactar de eventuais bons resultados. 'Ele não prolonga a crise, não sofre com ela', diz Aparecido, um dos seus fiéis escudeiros. Seu co-piloto nas grandes crises da área de segurança pública, o secretário Saulo Abreu, elogia o ex-chefe: 'Quando ele tem um problema, não descansa enquanto não o resolve'.
Aliados relatam os dois piores erros estratégicos de Alckmin na campanha eleitoral. O primeiro foi deixar o carisma e a informalidade de Lula atropelarem disciplina, preparo, frieza e equilíbrio que ele tanto cultiva. O segundo: desde que assumiu o governo paulista, em 2003, alguns assessores anteviram a possibilidade da candidatura presidencial e insistiram que ele deveria começar a executar uma estratégia para se tornar conhecido em outros Estados. Com uma segurança que inibia os interlocutores, ele sempre dizia que, para ser conhecido no Brasil inteiro, bastaria um mês e meio de propaganda eleitoral na televisão. Não bastou, como se vê.
Nenhum comentário:
Postar um comentário