16 julho 2007

Somos cariocas

por Ricardo Noblat(Lulista enrustido)

“A vaia tem lá seu valor pedagógico. Eu já fui vaiado. Sempre se pode aprender com isso”. (Cesar Maia, prefeito do Rio)

 Nunca na história deste país tantos vaiaram tanto um presidente. Lula foi vaiado seis vezes na abertura do Pan no Maracanã. Ali foi aplaudido o general Médici, presidente do período mais feroz da ditadura de 64. Era tão ou mais popular do que Lula. À época, o país crescia como cresce agora. E o Maracanã já havia vaiado minuto de silêncio.

Isso quer dizer exatamente o quê? Sei lá. Quem sabe são os cientistas políticos, que tudo sabem. Apenas achei curiosa a comparação.

E, de resto, ela me permite resgatar o que disse Lula a respeito de Médici no livro “Brasil — 1964/1985”, do historiador Ronaldo Costa Couto: “(...) se tivesse eleições diretas, o Médici ganhava. Era uma época de pleno emprego. Era um tempo em que a gente trocava de emprego na hora em que a gente queria”.

Tudo bem. Lula jamais foi de esquerda. E só enfrentou a ditadura para arrancar aumento de salário. É um político conservador, como o define o ex-ministro José Dirceu. Mesmo assim, prefiro um Lula vaiado a um Médici aplaudido. Um crescimento sem inflação a um falso milagre econômico.

Quanto ao Maracanã, que se conserve como palco de livre manifestação do estado de espírito dos cariocas.

“Somos todos americanos”, berrou a manchete de um jornal francês no dia seguinte aos atentados terroristas de 11 de setembro. Somos todos cariocas — nós, os incomodados com a arrogância de um presidente que se imagina um semideus, e que é, disparado, o que mais afagou publicamente estrelas de episódios escandalosos.

Pelo menos em espírito, estávamos no Maracanã na última sexta-feira.

Dou por exaltados os feitos prodigiosos da Era Lula até aqui. A rigor, eles se resumem a dois. Na economia, Lula resistiu à tentação de reinventar a roda. Foi responsável e teve uma sorte danada. E, em um país onde os de cima sempre desprezaram os de baixo, Lula se preocupou preferencialmente com esses — sem ferir, é, claro, os superiores interesses daqueles. Poderia ter procedido de outra forma? É discutível. Não creio.

Poderia, sim, ter procedido de outra forma todas as vezes em que os bons costumes foram agredidos. É o sétimo mandamento, estúpido! Aqueles que diz: “Não roubarás”. Bastava recitá-lo uma vez por dia e levá-lo a sério. Se para Lula, pessoalmente, o mandamento vale, deveria valer aos seus olhos para todos os cidadãos nivelados pela suspeita de que se comportaram mal.

Sem essa de que jamais se combateu tanto a corrupção.

E de que a corrupção só emerge porque existe uma polícia que a combate.

É uma meia-verdade. Comparável a de que há mais corrupção sob o atual governo do que houve sob os que o antecederam. O que temos é uma polícia mais aparelhada para investigar e uma sociedade mais exigente.

E um presidente manso diante do que deveria lhe provocar indignação.

Quando veio à tona o caso do mensalão, Lula caiu na armadilha montada por ele mesmo. Para justificar o caixa dois de campanha do PT, disse que os demais partidos também tinham os seus.

O ex-tesoureiro Delúbio Soares foi, no mínimo, mais cuidadoso do que ele: referiu-se às contribuições sonegadas à Justiça como “recursos não contabilizados”. Desde então, Lula nunca mais se livrou da armadilha.

Quem se beneficiou do que fez Delúbio não pode condenar senador que teve despesas pagas por um lobista de empreiteira. Quem conviveu com uma “organização criminosa” disposta a se apossar do aparelho de Estado não pode fustigar ex-presidente da Câmara que recebeu a merreca de um mensalinho.

Quem dispôs de aloprados para fazer serviço sujo não pode desejar a punição de quem mandou grampear telefones de desafetos.

Ao tomar posse pela primeira vez, Lula deixou que seus porta-vozes cunhassem a expressão “herança maldita” para designar a situação das contas públicas legada por Fernando Henrique Cardoso. A “herança maldita” de Lula será a indulgência do servidor público número um com o desregramento moral.

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