13 julho 2007

Editais eram feitos sob medida

Angraporto chegou a dar um Audi a funcionário da Petrobras que favoreceu licitação

A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) sobre o esquema de fraudes em licitações da Petrobras mostra que os funcionários da estatal envolvidos alteravam as regras dos editais e faziam aditivos, sempre com o objetivo de garantir os interesses da Angraporto Offshore.

Em troca, além de dinheiro, os empregados, que atuavam nas comissões de licitação e na gerência de plataformas, receberam da Angraporto viagens ao exterior. Um deles, Carlos Alberto Pereira Feitosa, ganhou de Mauro Zamprogno, sócio da Angraporto, um automóvel Audi, registrado em nome de sua mulher, chamada Maililian. A Petrobras demitiu ontem, por justa causa, dois dos cinco funcionários envolvidos: Feitosa, coordenador da Comissão de Licitações, e Rômulo Miguel de Morais, gerente de Plataformas.

Os dois foram presos com Carlos Heleno Barbosa, gerente geral da Unidade de Serviços e Sondas. Foram denunciados ainda Carlos Velasco e José Villanueva. Os cinco funcionários envolvidos são empregados de carreira da estatal.

A denúncia do MPF destaca que os empregados da Petrobras interferiram praticamente em todas as etapas do processo de licitação envolvendo as plataformas P-10, P-14, P-16 e P-22, “desde a fixação das datas até a própria definição da planilha de preços, passando pelo alijamento de eventuais concorrentes, tudo era feito para fazer da Angraporto a vencedora”.

Uma das licitações fraudadas, a da P-22, vencida pela Angraporto, foi conduzida por Barbosa e Feitosa em 23 de maio de 2003 para contratação de serviços de docagem (colocação de embarcação em doca ou dique seco) e estadia para a plataforma. O calado (profundidade) mínimo exigido inicialmente era de nove metros, conforme documento interno da Petrobras. Para beneficiar a Angraporto, os funcionários aguardaram a criação da Angraporto Offshore, em 1ode julho de 2003, para enviar os convites às empresas.

O convite, na verdade, foi enviado à Coferco Log, empresa do grupo Angraporto, com sede em Rio Bonito. Para permitir a participação da Angraporto, Feitosa e Velasco alteraram o contrato de licitação que previa calado mínimo de 9 metros para 8,23 metros. A Angraporto tinha na época calado mínimo de 8,84 metros.

A alteração garantiu que a Angraporto vencesse e permitiu ajustes no contrato que mudavam o local de permanência da plataforma (do cais para a Baía de Angra dos Reis), davam ressarcimento a apoio logístico e demais serviços.

Procedimentos semelhantes ocorreram nas licitações das demais plataformas.

Em algumas disputas, a Angraporto simulava sua participação ou vendia informações às concorrentes que aceitavam participar do esquema. A Iesa e a Mauá Jurong se beneficiaram com a manobra. Elas usavam as empresas fantasmas administradas por laranjas de Ruy Castanheira para “lavar” o dinheiro e repassar aos executivos da Angraporto.

No caso da associação AngraportoIesa, já estavam sendo planejadas fraudes em licitações futuras.

O estaleiro Mauá Jurong diz que desconhece qualquer ato ilícito relativo à P-16 e que não teve diretores presos (eles foram denunciados).

Além das seis empresas fantasmas citadas pelo procurador do MPF Carlos Alberto Aguiar, outras duas aparecem na denúncia: Vista Linda Participações Ltda e Ventos Consultoria Portuária Ltda, ambas com sócios em comum com a Angraporto.

Trocas de e-mails também faziam parte do esquema de fraudes. Em um deles, Feitosa enviou uma mensagem a Wladimir Pereira Gomes, da Angraporto, em 9 de maio de 2005, com a relação das empresas com potencial para participar da licitação para manutenção da P-14.

Toda a movimentação em torno dos contratos garantia aos funcionários da Petrobras envolvidos na fraude benefícios como viagens e dinheiro, pagos pela Angraporto. O funcionário Rômulo Miguel de Morais fez uma viagem em maio de 2005 com os executivos da Angraporto aos EUA, acompanhado de Feitosa. Convidado para participar da comissão de licitação da P-14, ele já previa a contratação da Angraporto: “Imagina para onde eu vou levar essa plataforma?!”, disse, em uma das conversas gravadas, a Wladimir.

Na mesma conversa, ele pede outras vantagens, como uma viagem a Paris, feita no fim de 2005.

Paris é o destino preferido do grupo.

Na licitação da P-16, Zamprogno diz que é necessária “uma verbinha” para financiar a viagem de quatro dias a Paris para ele mesmo, além seu sócio Fernando Stérea e os funcionários da Petrobras Rômulo e José Antônio Villanueva.

Outro efeito da fraude era driblar o Fisco. Ao justificar falsas despesas, o lucro era reduzido e o Imposto de Renda a pagar, idem.

O esquema tinha braços na Feema, onde eram compradas as licenças ambientais favorecendo a Angraporto. Os funcionários Ana Celeste Alves Bessa e Claudio Valente Scultori da Silva e até o expresidente do órgão, Paulo Cesar Petersen Magioli, recebiam propina pela liberação dos documentos.

Nas escutas, sinal de sonegação fiscal  A investigação mostra que conversas entre Wladimir e Castanheira fazem referência aos crimes de sonegação fiscal, corrupção e fraude em licitações. Os dois tratam da contabilidade da Angraporto e do que chamam de “PF” (por fora), em uma alusão ao pagamento de propina. Em ligações grampeadas pela PF, e divulgadas com exclusividade pela TV Globo, Zamprogno refere-se a facilidades nas licitações: “O que se tem de coisa pra vender prá ‘14’ (P-14) cara! O que o Rômulo quer botar na nossa mão tu não tem idéia!”, disse Zamprogno, referindo-se a Rômulo.

Em depoimento ao “Jornal Nacional”, na quarta-feira, um funcionário da Angraporto, que não foi identificado, afirmou já ter visto vários diretores preparando envelopes com dinheiro para serem enviados à Petrobras, referindo-se a Feitosa: “Eu presenciei várias vezes e até mesmo já entreguei envelope na mão dele. Na faixa dos R$ 100 mil a R$ 200 mil, dependendo da operação que fosse feita.” Um empresário do setor naval, exsócio da Angraporto, que teve mantido seu anonimato, também deu depoimento denunciando o esquema: “Já que a licitação é armada, os preços são superiores, dependendo do superfaturamento, até 50% da licitação. Era vergonhoso”.

A escuta telefônica e as movimentações bancárias identificaram repasses de R$ 2,3 milhões de quatro ONGs que prestavam serviços ao governo do Rio para a Intecdat Serviços Técnicos.

O dinheiro transferido era sacado por Ruy Castanheira e entregue em espécie ao empresário Ricardo Secco, preso na operação. Ontem, a desembargadora federal Liliane Roriz, da 2aTurma do TRF da 2aRegião negou os pedidos de habeas corpus de Secco, Castanheira e Felipe das Neves Castanheira de Souza.

Já o governador Sérgio Cabral disse que o ex-deputado estadual Aurélio Marques, atualmente trabalhando na secretaria estadual de Governo e um dos denunciados, foi afastado de suas funções mas não foi exonerado. A secretaria pediu mais informações.

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