23 maio 2007

QUANTOS ZULEIDOS AINDA VAMOS TER QUE AGÜENTAR?

por Augusto de Franco

Você conhecia algum Zuleido? Nem eu. Quantos Zuleidos existem (operando a partir de

suas boas relações com autoridades) no governo Lula? Quantos ainda vamos ter que agüentar?

Em artigo na Folha de São Paulo do início deste mês (“Confiança Zero”: 03/05/07) afirmei

que o governo corrupto de Lula da Silva seria corroído por dentro, pelos seus próprios aliados...

Disse, também, que não precisaríamos esperar muito: “basta que o (falso) governo de coalizão

deste segundo mandato comece a funcionar para que apareçam os sintomas de putrefação”.

E esses sintomas começam a aparecer.

Mas a PF - tão afiada na 'Operação Navalha' - não conseguiu ainda dizer de onde veio o

dinheiro do falso dossiê, naquela aloprada operação que envolvia gente da mais íntima

confiança(e convivência) de Lula. Qual era mesmo o nome da operação do falso dossiê?

Ah!

Nem nome tinha? Nem mesmo "operação" era? "Operação" só pode ser montada

contra os outros?

Contra os lulopetistas, não? Quem já ouviu falar da 'Operação Waldomiro-Dirceu'?

E da 'Operação Mensalão'? E da 'Operação Japonês 1'? E da 'Operação Japonês 2'? E da

'Operação Cuecão'? E da ‘Operação Mansão dos Prazeres’? Para nada disso teve operação?

Foi tudo descoberto por acaso? Quantas PFs existem no Brasil?

Se não existe oposição para fazer tais perguntas, é sinal não apenas da traição de meia dúzia

de caciques tucanos e pefelistas que pensam somente em suas carreiras.

É sinal de que o sistema

de partidos apodreceu, assim como boa parte das nossas instituições representativas.

Não é a minha opinião: é o que estamos vendo todos os dias.

Não me venham dizer que a democracia é “assim mesmo”. Que a democracia não tem proteção

eficaz contra o discurso inverídico, a cara de pau, a manipulação e o crime, conquanto

– em contrapartida – permita que todas essas coisas apareçam à luz do dia e,

assim, possam ser corrigidas “no processo”. Que “processo”, mané?

Quem participa desse “processo”? E como?

Apenas votando de dois em dois anos? Quá! Isso é puro auto-engano.

Da premissa (correta) de que a democracia que temos deva ser preservada

contra os quequerem autocratizá-la, manipulá-la ou corrompê-la

(como fazem os lulopetistas),

não se deve derivar que não se possa modificar a democracia no sentido de radicalizá-la,

quer dizer, de democratizá-la cada vez mais. A que está aí – conquanto necessária

– revela-se francamente insuficiente. E por um simples motivo: o cidadão não tem

canais efetivos para interferir nos procedimentos da política.

Não tem. Pode-se fazer qualquer campanha para qualquer

candidato a qualquer cargo que os Zuleidos continuarão lá.

E muito pior do que um Zuleido (que não passa de um corrupto tradicional)

é quem mimetiza o comportamento zuleidiano para roubar para o partido,

para corromper em nome de um projeto de poder.

Estou dizendo que o corrupto lulopetista mais honesto – aquele que não bota um tostão do

assalto, do desvio ou da “gatunagem altruísta” no bolso –

é muito pior do que qualquer Zuleido.

Muito pior, é claro, para a democracia.

Nesse sentido, conquanto seja duro fazer essa afirmação

(sobretudo para mim, que o conhecia pessoalmente e me dava bem com ele),

o falecido Celso Daniel fez mais mal para as gerações presentes e futuras do

que o indigitado Sombra.

Há fortes indícios ou suspeitas (devo falar assim para não ser processado?)

de que, durante anos a fio, o PT desviou dinheiro das prefeituras que governou.

Não que tivesse qualquer predileção

por saquear o erário municipal, mas porque era o que tinha à mão. Foi com esse dinheiro, no

início pouquinho, que conseguiu chegar aonde chegou. Foi com essa “acumulação primitiva”,

feita por gente honesta, honestíssima até, que o partido se capitalizou e se profissionalizou.

Gente que foi convencida de que esse era o único caminho para o poder. Gente boa,

que passoua avaliar que a política infelizmente é assim, é o que é,

não tem conversa;

ou seja, de que o jogo é esse mesmo: é pegar ou largar.

Assim, é preciso jogar o jogo ou cair fora. Pelo visto, entre abandonar aquele

acalentado sonho de tomar o Estado brasileiro para dele fazer um instrumento de

conquista de hegemonia de um grupo que quer se eternizar no poder e botar ‘a mão

na merda’

(como disse outro dia aquele artista), os dirigentes optaram pela segunda alternativa.

Se alguém me pedir provas – no sentido jurídico do termo – de tudo isso, não as tenho.

Nem me cabe produzi-las. Não estou acusando ninguém em juízo.

Quem o fez, sustentandoformalmente que havia uma sofisticada

organização criminosa

na direção do PT alocada no Palácio do Planalto,

foi o Procurador Geral da República.

Falo sobre convicções que formei a partir de evidências, indícios, sinais. Articulo opiniões.

Construo argumentos que fazem sentido.

Não faço investigações. Não sou da Polícia Federal. Não organizo operações com dinheiro

público para desbaratar quadrilhas. A mim, me cabe apenas perguntar por que tais operações

não foram organizadas por quem de direito.

Se algum petista ler este artigo e achar que não é bem assim, então de duas umas: ou é um

bobalhão ou um desinformado. Nos dois casos, ele não saberá, mas eu sei o que estou dizendo.

E digo. E reafirmo. Foi essa a grande transformação do PT (não a bobagem de aceitar o

mercado, pois que só o fez em termos táticos, para preservar o que julga mais importante estrategicamente):

sua conversão à realpolitik. Uma realpolitik exacerbada (e, como toda realpolitik,

antidemocrática).

Hoje o PT – e seu chefe maior e único: Lula (só meia dúzia de basbaques na imprensa

continuam acreditando na lorota e disseminando a idéia de que há um distanciamento entre

Lula e o PT) –

constitui uma força regressiva em termos democráticos. Regressiva e agressiva. Agressiva e

muito perigosa.

Na América Latina estão em curso nesta quadra dois projetos autoritários.

As “protoditaduras”

de Chávez e seus aliados ou pupilos Evo, Correa e Ortega e as “manipuladoras” de Lula e

Kirchner. Em essência, o projeto é o mesmo: autocratizar a democracia por meio do populismo

(ou de um neopopulismo). A diferença entre os dois projetos fica por conta das

diferenças de complexidade das sociedades em que se aplicam:

na Venezuela, na Bolívia, no Equador ou na

Nicarágua, estão sendo feitas algumas coisas que não são possíveis no Brasil e na Argentina.

Por isso que, nesses dois últimos, não há propriamente “protoditadura” e sim “manipuladura”:

a manipulação é a autocratização possível da democracia nas condições do Brasil e da

Argentina.

Mas as iniciativas são semelhantes: controle da imprensa (sob o eufemismo da ‘democratização

dos meios de comunicação’), degeneração das instituições, aparelhamento do governo e das

empresas estatais, banditismo (e corrupção) de Estado et coetera.

Como, no Brasil, Lula e o PT não têm força para governar sozinhos, precisam se aliar a gente

que negocia com Zuleidos como se isso fosse a coisa mais normal do mundo (a política para

eles é isso – e a democracia realmente existente permite que tal aconteça e se reproduza

ao invés de ser corrigido “no processo”).

Ora, os Zuleidos não roubam para causa alguma e sim para enriquecer.

Mas isso, mais cedo ou mais tarde, acaba aparecendo, pois como é possível esconder aquela

lancha maravilhosa, aquele carro de luxo, aquele apartamento de cobertura?

Bom, aí começa a encrenca que vai – como estou prevendo – levar o governo Lula à bancarrota.

Desde, é claro, que a imprensa permaneça livre. Desde que exista gente que possa falar essas

coisas que estou falando aqui sem ser morta, presa, processada ou intimidada de qualquer

outra forma.

E desde que não se confie mais nos líderes dos chamados partidos de oposição, os quais, em

parte, estão imersos no mesmo lamaçal e, em outra parte, ou estão no mundo da política apenas

para realizar suas carreiras pessoais, ou não têm idéia alguma de democracia na cabeça ou não

têm juízo (ou tudo isso junto).

Mas mesmo que Lula e o PT venham a se estrepar (a despeito dos esforços que as oposições

farão novamente para salvá-los, agora de um segundo naufrágio), isso não significa que o nosso

sistema representativo melhorará. Não vai melhorar muito, a menos que haja uma reforma democratizante da política. Uma reforma que jamais será feita a partir de dentro, por iniciativa

dos próprios interessados. Uma reforma que só acontecerá se houver pressão ambiental da

sociedade, de fora para dentro e emergência, em quantidade suficiente, de inovações políticas,

ensaiadas de baixo para cima.

Apenas com as instituições que existem e com as regras que estão em vigor, não tem conserto.

Não há “processo” algum capaz de resgatar a política do buraco profundo e imundo em que caiu.

Ou se meteu.

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