09 março 2007

Política e energia

Miriam Leitão

O inimigo americano nestas paragens é Hugo Chávez. Mas os cofres chavistas são engordados anualmente com bilhões de dólares enviados pelos Estados Unidos em troca de 11% do petróleo que importam. O produto entra lá sem pagar imposto.

O Brasil é o país amigo que o presidente Bush visita hoje. O etanol brasileiro, para entrar nos EUA, paga imposto e sobretaxa que eleva a barreira a 48%.

Alguém pode ponderar que o dinheiro da venda do petróleo não é exatamente de Chávez, mas da exportadora, a PDVSA. Mas a verdade é que Chávez misturou tudo: assumiu o controle da PDVSA através de amigos leais que comandam a empresa e a pôs a serviço de sua política populista. Chávez a usa como seu principal trunfo político e fiscal.

Por que essa contradição entre os supostos objetivos políticos e os interesses econômicos acontece? Porque Bush é prisioneiro de suas próprias contradições.

Primeiro, sinceramente, ele não tem nada contra os combustíveis fósseis. Veio da indústria do petróleo, e por ela é financiado. Ao mesmo tempo, gostaria de reduzir a dependência em relação aos países árabes e à Venezuela, mas por razões de segurança, e não ambientais.

Para ele, é melhor que reduza devagar o uso: menos petróleo importado — que hoje é 58% de tudo o que consomem —, mas garantia de mercado para a indústria de petróleo americana a quem tanto deve.

O espaço para o etanol deve crescer, não para reduzir emissões de gases de efeito estufa, mas para ocupar espaço do petróleo importado.

Para manter o apoio ao seu povo do petróleo e ficar bem com o poderoso lobby ag rí co la americano, é melhor para Bush que não haja abertura para o etanol importado, deixando o mercado reservado para o produtor americano.

Azar se o etanol deles é feito de uma matériaprima com produtividade muito menor que a da nossa cana-de-açúcar e se custa um volume tão alto de subsídio aos cofres americanos.

De efeito colateral tem só o pequeno detalhe de que acaba beneficiando a política populista de Hugo Chávez.

Portanto, desta viagem, não se deve esperar muito; a não ser aqueles acordos assinados para sair nos comunicados conjuntos dos diplomatas. Se Bush quisesse, de fato, alavancar o comércio com o Brasil, bastaria ter proposto ao Congresso o fim da sobretaxa de US$ 0,58 por galão.

A Venezuela, que tanto se diz inimiga dos EUA — e viceversa —, é hoje o quarto maior fornecedor de petróleo para o país ao norte. É um volume impressionante. Os Estados Unidos consomem cerca de 5 bilhões de barris anualmente. A lista dos grandes fornecedores é encabeçada pelo Canadá, seguido de Arábia Saudita (com cerca de 10%, como a Venezuela) e México. Ou seja, 20% do petróleo que os EUA importam estão nas mãos de nações com relações complicadas com o país. O Brasil é o 12o na lista; equivale a 1% do petróleo importado.

Brasil e Estados Unidos teriam muito o que aprofundar na relação bilateral.

Mas o avanço ficou emperrado nos últimos anos: aqui, por aquele antiamericanismo de que falou o ex-embaixador Roberto Abdenur.

Lá, pela mistura da displicência da política de Bush em relação à América Latina e pelo protecionismo.

O Brasil é o 16omaior fornecedor dos EUA. Pensar que estamos entre os 20 maiores da importação americana soa muito bem, porém, o que vendemos para lá corresponde a muito pouco do que eles compram do mundo: cerca de 1,4%. E essa participação não tem crescido quase nada ao longo do tempo. Eles são, sim, o nosso grande parceiro comercial, mas nós estamos longe de ser um país relevante nas trocas comerciais americanas. Na nossa frente estão, por exemplo, Coréia do Sul, Venezuela (por causa do petróleo) e Malásia. Sem falar nos naturalmente líderes desta lista: Canadá, China e México.

O especialista em comércio exterior Joseph Tutundjian acredita que o que mais dificulta as vendas do Brasil para os EUA é o fato de o nosso modelo de fazer comércio estar atrasado, sem falar nas dificuldades das formas de pagamento.

— O Brasil, se quer aumentar as suas vendas para os Estados Unidos, precisa entrar numa fase mais elaborada de fazer negócios. O mercado americano é do tipo que quer comprar da mão para a boca; tem que ter logística que garanta a entrega rápida, uma forma de pagamento prática. Coisas que o Brasil não tem.

Tutundjian chama a atenção para o fato de que a maioria dos negócios feitos entre Brasil e Estados Unidos ainda está muito concentrada nas negociações entre grandes multinacionais: como venda de motores, autopeças.

— Os Estados Unidos são grandes compradores de produtos de consumo, e o Brasil não é grande exportador desses produtos, como roupa, eletrônicos, carro.

Falta a idéia do produto made in Brazil. O único que vêem assim é o avião da Embraer — diz.

A tarifa para o álcool brasileiro nos EUA é altíssima para um país que tem, em geral, tarifas muito baixas.

Mas nosso produto é competitivo e o comércio tem valido a pena.

Felizmente o governo Bush — e suas contradições — estão chegando ao fim. O problema é que os democratas têm fama de serem ainda mais protecionistas que os republicanos.

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