17 dezembro 2006

O verdadeiro golpe revolucionário

Por Jorge Serrão*
O presidente Lula da Silva ganhou três presentões de Papai Noel. O bom velhinho, que se veste de vermelho, mas não tem jeito de petista, exagerou na dose. Primeiro, foi a fácil reeleição, sem oposição. Segundo, um desgaste ainda maior do Congresso, ajudando o povo a esquecer as falhas ou crimes do governo. Bem combinados com Lula, os deputados e senadores se deram um escandaloso aumento de 90,7%, e só autorizaram 8% para o salário mínimo. Terceiro, às vésperas para assumir o segundo mandato, uma pesquisa Datafolha consagra Lula como o melhor presidente brasileiro da história. A gente merecemos?!

Tem analista apostando que os três presentes, combinados, facilitam o projeto de poder de Lula e dos revolucionários negociantes de seu partido. O negócio é a política deles. E não o contrário. Revolução socialista? Só se for para ganhar muito dinheiro. A conquista do poder econômico é o que interessa. O resto não tem pressa. É conseqüência natural. Na década de 60/70, eles queriam conquistar o poder pelas armas. Foram detonados pelas Forças Armadas, em ação profissional contra a guerrilha e o terror. Agora, vão consolidar o “capitalismo de Estado” no Brasil através da guerra econômica assimétrica. O lema é: “Graneiros, uni-vos”. E está feita a “revolução”.

Os guerrilheiros do passado preferem, hoje, outro teatro de operações mais lucrativo – no qual as Forças Armadas não podem se meter com eles de maneira tão fácil e objetiva. As figuras que mais mandam no governo, por dentro e por fora, o comandante Daniel e sua fiel escudeira Estela sabem que nem o mais competente DOI-CODI (Centro de Operações de Defesa Interna) conseguirá apanhá-los desta vez. Agora, a guerrilha é no sistema financeiro, mais precisamente nos bastidores dos bilionários fundos de pensão de estatais. No direcionamento do investimento deles, ou na taxação maior sobre seus investimentos, virá a grana para “destravar” nossa economia, com mega investimentos em infra-estrutura, como vem batraqueando o presidente deles. Alguém duvida que os “revolucionários”, além de gerentes, serão sócios ocultos dos negócios? Quem duvidar pode se dar mal.

Os guerrilheiros não vão mais pegar em armas. Isto é coisa do passado. A estratégia atual do Foro de São Paulo e do PT, para a manutenção e ampliação do poder, passa por interesses econômicos bem definidos. Tem poder, de fato, que dirige grandes negócios e acumula muita grana. Os meios justificam os fins. E viva a revolução. Um dos mais renomados consultores empresariais brasileiros da atualidade, José Dirceu de Oliveira e Silva, já no primeiro governo Lula, fez questão de indicar todos os diretores administrativos financeiros dos principais fundos de pensão. O motivo? Perguntem ao ex-comandante Daniel.

O Super Zé atua nos bastidores. Na linha de frente, quem articula tudo é a ex-guerrilheira Estela – uma combatente tão eficiente que já recebeu até a Medalha da Ordem do Mérito Militar. A sorte está tão a favor dela que, na última quinta-feira, dia 14, Dilma Rousseff conquistou o tão sonhado direito à concessão de reparação moral por ter sido presa e torturada, no tempo em que pegava em armas para instaurar o comunismo no Brasil. A Comissão Especial de Reparação foi generosa com ela. A Ministra Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, comemora seu presente de natal, e se prepara para mostrar, no segundo mandato de Lula, porque é uma das figuras mais poderosas do governo e do esquema de poder econômico que está sendo montado.

Lula também sorri à toa. A "Folha de S. Paulo" divulgou pesquisa Datafolha na qual 35% dos entrevistados acreditam que Lula é o melhor presidente que o País já teve. Em segundo lugar, com menos da metade dos votos, aparece Fernando Henrique Cardoso (PSDB) com 12%. Os próximos mais bem avaliados são Juscelino Kubitschek (11%), Getúlio Vargas (8%) e José Sarney (5%). Lula encerra o primeiro mandato com 52% dos brasileiros considerando seu governo ótimo/bom. Este é o maior patamar entre quatro presidentes avaliados pelo Datafolha desde de que os militares devolveram o poder aos seus inimigos de outrora.

Lula está mais feliz ainda porque o novo desgaste do Congresso só lhe beneficia. No processo “revolucionário” negocista, Lula nem precisará fechar o Congresso. Basta manter o esquema de cooptação da classe política desmoralizada, como vem fazendo desde que assumiu. O caso do “mensalão” foi um susto que passou. E a tal “reforma política”, que de reforma não terá nada, só servirá para manter a base aliada bem comprada. Afinal, quem tem um PMDB não morre pagão no governo. O governo fará o que quiser, e ninguém vai reclamar.

O rádio-corredor do mercado financeiro já adverte que vêm mudanças por aí. A previsão é de taxação nos fundos de pensão, que serão obrigados pelo governo a direcionar seus recursos para os empreendimentos que agradarem aos revolucionários de plantão e seus parceiros internacionais da nobreza econômica européia. Os parceiros chineses e venezuelanos, que se associam com todo mundo, também estão na jogada. A classe média também dará sua colaboração. O tal projeto de “Poupança Fraterna”, que até parece um fake (mentira) da Internet, tem tudo para virar realidade, com uma cara menos feia.

Na verdade, não haverá confisco da poupança, como os spans andam espalhando. Mas o governo quer mudar a legislação para criar uma modalidade de poupança em que o poupador demore mais tempo a sacar sua grana, em troca de uma remuneração melhor. O dinheiro da “nova poupança” vai diretamente para os investimentos que vão “destravar” o País e o bolso de muito revolucionário. Será a vitória de um Capitalismo de Estado, travestido de “socialismo batráqueo”. O final feliz da história é o sapo arrochando a princesa, tomando toda a grana dela, e socializando com os aliados, parceiros e familiares.

O povo vai assistir, bestificado, a tal processo. No Brasil, mesmo quando informadas, o que não é o caso, as massas não têm poder de expressão para indignação. O caso do aumento salarial dos parlamentares é bem emblemático. Todo mundo vai reclamar, por uns tempos. Mas, no fundo, o sonho oculto da maioria silenciosa era ganhar igual a um deputado. O problema é cultural. Não que a gênese da corrupção esteja em nosso sangue. Nada disso! Mas apenas pelo fato de sermos uma sociedade leniente com a corrupção. O malandro no poder é historicamente exaltado por aqui. Basta que tenha carisma, e saiba agradar ao povo.

Apesar dessa triste constatação, a minoria de cidadãos esclarecidos não pode desanimar. Tem de protestar contra o aumento salarial para os parlamentares! Afinal, vai sair do nosso bolso o dinheiro. Não custa nada. Pegue um orelhão na rua, ou seu telefone de casa, e ligue para a Câmara dos Deputados e para o Senado. Disque 0800619619 ou 0800612211. Nossos políticos, pelo que fazem contra o interesse público, merecem “100 anos de perdão”, como pregado em um velho ditado popular. Mas daremos a eles apenas 90,7 – que agora é um número simbólico do egoísmo deles e da ganância contra a sociedade.

Vida que segue, tirando a gritaria da minoria esclarecida, apesar da crise no setor aéreo, Lula decola com seu projeto em “céu de brigadeiro” (que o pessoal da FAB nos perdoe por tal ironia macabra). Aliás, o presidente Lula está absolutamente tranqüilo em relação aos militares. Embora colabore para a destruição gradual das atuais Forças Armadas, com a sistemática falta de investimentos e incentivando a sindicalização e a quebra da Hierarquia e da Disciplina (os pilares de sustentação da Marinha, Exército e Aeronáutica), Lula tem certeza de que seu projeto de poder não sofrerá reação dos atuais oficiais generais do Alto Comando das três Forças.

O negócio de Lula é contemporizar com os militares. Ao discursar para os oficiais generais, na última sexta-feira, no tradicional almoço de final de ano, Lula mencionou com elogios e críticas três generais-presidentes do governo militar. Lembrou que no governo Emílio Médici (1969-74) o Brasil chegou a crescer 13 por cento ao ano, mas houve redução do salário. Batraqueou também que Ernesto Geisel (1974-79)1 foi o último presidente a investir em infra-estrutura. Mas o esperto Lula lembrou que o alemão deixou “deixou um pepino danado" para João Baptista Figueiredo (1979-85), que herdou a dívida desses investimentos.

Comandante-em-chefe das Forças Armadas, amando-as ou não, Lula voltou a repetir aos militares que sua ordem é “destravar” o Brasil. Indiretamente, seu recado é que ninguém irá “travá-lo” em seus objetivos. O verdadeiro golpe revolucionário de Lula e seu casal de guerrilheiros é neutralizar adversários e inimigos, operando no consenso sobre a necessidade de crescimento econômico e mega-investimentos, tal como ocorreu nos tempos dos governos militares.

E já tem muita gente, fardada ou não, fadada a acreditar na conversa do revolucionário que, aos 61 anos de idade, considera ter alcançado "o equilíbrio" entre as ideologias de esquerda e de direita, ao ponto de soltar a polêmica frase: "Se você conhecer uma pessoa idosa esquerdista é porque está com problema. Se acontecer de conhecer alguém muito novo de direita é porque também está com problema".

Com um discurso desses, quem está com problema é o Brasil. Toda ideologia é uma forma de dominação promovida por um controlador maior. E a negação da pretensa ideologia, no caso de Lula, é mais um componente da guerra assimétrica que o grupo dele empreende para tomar de assalto, definitivamente, o Brasil. O golpe é sutil. Exatamente por isso é um golpe.

*Jorge Serrão é jornalista

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