17 novembro 2006

As perdas da classe média

Para um segmento expressivo da sociedade brasileira, a política econômica adotada nos últimos anos tem sido particularmente nociva. Além dos resultados pífios que apresenta, com um ritmo muito lento de crescimento, essa política tem sido cruel para a classe média, pois a tributa excessivamente, comprime sua renda, corta seus empregos e, pior, corrói sua esperança de vida melhor.

A reportagem de Fernando Dantas publicada domingo pelo Estado contém dados surpreendentes sobre as condições econômicas da classe média e exibe uma sombria realidade da qual pouco se fala, especialmente porque, durante a campanha eleitoral, o presidente Lula usou sua grande habilidade política para mantê-la afastada dos debates. Lula fartou-se de referir-se aos benefícios auferidos pelas camadas mais pobres da população - e os dados mostram que houve melhora para elas -, para daí extrair o maior número possível de votos, mas silenciou a respeito do preço que o modelo por ele colocado em prática impôs e está impondo a outros setores da sociedade.

Numa sociedade com tanta desigualdade como a brasileira, não se pode criticar o fato de 86,1% dos empregos com carteira assinada, criados de 2002 a 2004, terem sido para trabalhadores com renda entre um e dois salários mínimos. Mas é frustrante constatar - como fez uma pesquisa realizada em janeiro pelos economistas Claudio Dedecca e Eliane Rosandiski, da Unicamp - que, no mesmo período, diminuiu 10,6% o número de empregos com carteira assinada para trabalhadores com renda igual ou superior a dez salários mínimos.

Esta é, justamente, a faixa que pode ser considerada a da classe média brasileira. Por representar um ponto de equilíbrio numa sociedade marcada por desigualdades e, desse modo, evitar o surgimento de conflitos entre os extremos, o crescimento da classe média deveria ser fortemente estimulado. Mas o contrário é que vem ocorrendo no Brasil. Filhos de família dessa faixa social não estão conseguindo manter os padrões de vida dos pais, o que significa que a classe média está diminuindo.

Esta é uma tendência forte que deveria preocupar as autoridades. Calcula-se que a classe média represente menos de 20% da população. Mas sua importância econômica e social é muito maior do que essa porcentagem parece indicar. Como mostrou a reportagem do Estado, ela concentra praticamente toda a parcela mais instruída da população, ocupa a maioria dos empregos que mais agregam valor e é responsável pela geração de 50% da renda nacional.

O sistema tributário brasileiro, ruim para todos, é especialmente perverso com a classe média. A carga tributária cresceu velozmente de meados da década passada para cá, mas cresceu ainda mais depressa para a classe média. Ela paga cada vez mais impostos como proporção de sua renda, mas é cada vez mais esquecida pelos programas de governo custeados pelos impostos. Os gastos sociais se concentram nas camadas mais pobres.

Também do sistema previdenciário ela recebe um tratamento inadequado. Aumentos maiores limitam-se aos benefícios de menor valor, em muitos casos limitando-se àqueles que não excedem um salário mínimo. Acima desse nível, ou os benefícios ficaram congelados ou tiveram reajustes muito pequenos. Em outros países também não costuma haver aumentos reais do valor dos benefícios previdenciários, mas no Brasil os fortes aumentos para o piso resultam em fortes pressões sobre as contas da Previdência, o que exige contenção das aposentadorias de maior valor.

Dessa pressão generalizada - e socialmente perigosa - sobre a classe média escapa uma camada privilegiada - a dos funcionários públicos e empregados das empresas estatais. Protegida por garantias com as quais raramente contam os trabalhadores do setor privado, essa elite tem recebido tratamento generoso do atual governo. Só neste ano, os gastos com pessoal federal cresceram 11% em termos reais, praticamente todo o aumento observado entre 1995 e 2005.

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