Gilberto de Mello Kujawski
Do primeiro debate dos candidatos a presidente na TV Bandeirantes haveria muito a dizer. O que mais surpreendeu foram as reações do público em geral e dos jornalistas em particular. Destes últimos era de esperar um pouco mais de perspicácia quando externaram tamanha surpresa pela postura combativa e supersegura de Geraldo Alckmin. 'Mas como ele está irreconhecível, era tão certinho, tão tímido ao falar, tão previsível e, de repente, pula na garganta de Lula como um polemista aguerrido, um boxeador irresistível!' Será que nunca ouviram falar que é bom desconfiar dos quietos e temer a indignação dos justos? Quando Alckmin diz estar 'zen' ninguém o leva a sério. E, no entanto, dá para perceber no candidato do PSDB, no seu autocontrole emocional, o traço essencial da postura zen, o 'sentar para meditar', embora o céu desabe sobre nossa cabeça. Outro traço do budismo zen é a reação contra os usos mentais consagrados pela tribo. Para afiar a agilidade mental dos discípulos o mestre zen propõe que meditem sobre afirmações contraditórias, do tipo: 'Qual é o som de uma só mão batendo palmas?' A postura zen desafia as convenções, surpreende os incautos, gosta de rir por último. Desconcerta. Um budismo humorístico.
É preciso muito cinismo para falar em 'agressividade e prepotência' da parte de Alckmin, como fez certo economista da Folha de S.Paulo, que é uma cabeça doentia e um poço de ressentimento. Será agressividade desmentir frontalmente a comédia de erros em que consiste a política do petista? Será prepotência desmascarar a mentira, a falsidade, a má-fé que comanda cada um de seus passos? Só protesta naqueles termos quem apanhou junto com o candidato-presidente.
Lula assustou-se, perdeu o rumo e desmontou, totalmente indefeso, esta é que é a verdade. Pediu água, chegando a pôr na boca um copo vazio. A certa altura, para quem sabe observar, abandonou a ironia, fez um olhar de cachorro manso e implorou uma trégua ao contendor, como quem diz: 'Tenha dó de mim, estou moído de pancada!' Vexame total. Quando Lula baixou a cabeça para ler as perguntas, confessou simploriamente seu despreparo e denunciou publicamente toda a incompetência de sua assessoria. Candidato que se preza não leva 'cola' para o debate olho no olho. E vem o Datafolha, conservador, dando empate técnico entre os dois candidatos. Mais confiável foi a internet, acusando cerca de 60% para Alckmin contra cerca de 30% para o petista.
Outro ponto que merece reparo foi a exigência totalmente absurda de certos observadores da imprensa e da política, reclamando que o debate passou ao largo das propostas e dos programas de governo. Ponto de vista acadêmico e um tanto hipócrita. Em primeiro lugar, o formato dos debates na TV não permite a tranqüila exposição de nenhuma idéia de forma mais elaborada. É um tal de 30 segundos para a pergunta, dois minutos para a resposta, um minuto para a réplica, outro para a tréplica, que nada é possível. Em segundo lugar, quem disse que o debate é o momento de discutir programas? O debate às vésperas da eleição tem a finalidade de cotejar a personalidade dos candidatos, é um confronto cara a cara, um cotejo de forças, um duelo de vida ou morte. Que idéia mais acadêmica essa de falar em propostas em meio ao fogo cerrado da polêmica! Os debates finais comparam-se a uma partida futebol, que dá a vitória a quem tem mais garra. Ou a um júri no qual não cabem maiores discussões sobre princípios de direito ou o sistema judiciário. A questão no debate é mostrar quem é quem, os homens de carne e osso, como diria Unamuno.
Mas Lula tem ainda muita esperança. Está na companhia da elite política de todo o País e da nata dos dirigentes da América do Sul. Para começar, tem o apoio de ninguém menos que o ex-ministro José Dirceu, guerrilheiro frustrado, mas próspero homem de manobras palacianas. De José Genoino, mestre-escola frustrado na guerrilha e na política. Do ex-ministro Antonio Palocci, que canta em surdina aquela musiquinha: 'Quem parte e reparte...' De João Paulo Cunha, com sua carinha de 'mamãe mandou eu aqui'. De Jader Barbalho e sua sombra, um dos currículos mais carregados do Congresso. De Paulo Maluf, com sua ilibada folha corrida. De Fernando Collor, que com sua 'experiência' será um precioso aliado de Lula. De Ciro Gomes, que vai emprestar ao plebeu Lula um pouco da altanaria do Sobral, onde só há gente altiva. De Márcio Thomaz Bastos, tão doutor nas manobras de esconde-esconde que já tem convite para trabalhar num circo de ilusionismo depois que deixar o governo. De Ricardo Berzoini, o das bochechas flácidas e do comando político idem. De Marco Aurélio Garcia, do olhar fosco e sem lado. De Dilma Roussef, com seu frio ar estatizante. De Jaques Wagner, com sua nobre auréola de barão de beira-rio. De Aldo Rebelo, múmia melancólica do stalinismo. De Tarso Genro, o fracasso da dialética disfarçado no sorriso. E de Frei Betto, o Che Guevara de salão.
Mais ilustre ainda é a corte de apoio internacional a Lula. Do lado cucaracha, em primeiro lugar, Fidel Castro, aquele herói de Sierra Maestra que vendeu a revolução cubana à URSS. Hugo Chávez, o petrorrevolucionário, reencarnação algo balofa de Simón Bolívar, Chávez, o maior histrião das Américas, que ganhou de Lula a corrida pela liderança da América Latina. Néstor Kirchner, o duende da Patagônia, que empresta seu estrabismo a tantos argentinos que acreditam em gnomos. Evo Morales, aquele boliviano que invadiu a Petrobrás e humilhou o Brasil enquanto trocava com Lula tapinhas na barriga.
E, last but not least, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que torce pela vitória de Lula, um cucaracha dócil e obediente em suas duras mãos fundamentalistas.
Gilberto de Mello Kujawski, escritor e jornalista, é membro do Instituto Brasileiro de Filosofia E-mail: gmkuj@terra.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário