09 abril 2007

Desmilitarizar para quê?

Em meados dos anos 90, numa reunião fechada no Ministério do Meio Ambiente, autoridades, acadêmicos e ativistas discutiam um plano de ação chamado Agenda 21. Seria, supostamente, a bula do desenvolvimento sustentável brasileiro no novo século. Burocratas do ministério e representantes de ONGs queriam tratar de tudo, das usinas nucleares de Angra ao combate à dengue.

Entre quase duas dezenas de cabeças, apareceu uma só voz sensata para dizer que um plano que pretendesse tratar de tudo acabaria tratando de nada. Era um coronel do Exército, que propunha que o plano continuasse sendo múltiplo, mas tivesse três grandes prioridades – onde se concentrariam inicialmente os esforços e o dinheiro. Isso permitiria fixar um cronograma concreto de resultados.

Uma das prioridades propostas pelo coronel era o projeto do zoneamento econômico-ecológico de toda a Amazônia, um passo crucial para o desenvolvimento sustentável brasileiro. Os militares tinham as grandes linhas do plano, só precisavam da autorização governamental e do dinheiro.

Evidentemente, nada aconteceu. A Agenda 21 continuou sendo uma megalomania delirante, sem qualquer efeito prático. E o coronel, único participante da reunião com um mínimo de foco, ficou falando com as paredes. Afinal de contas, era um milico.

O preconceito com as Forças Armadas no Brasil, mais de vinte anos depois do fim da ditadura militar, se aproxima do ridículo. O episódio da greve dos controladores de vôo mostrou com clareza a quantas anda essa paranóia. De repente, a grande solução contra o apagão aéreo passou a ser a desmilitarização do controle do tráfego de aviões.

É impressionante como se forma subitamente uma quase unanimidade com base em nada. Desmilitarizar por quê? Para que?

Os argumentos salariais são pífios, os corporativos mais ainda. É tudo um grande pretexto para desenterrar mais uma vez o fetiche da resistência democrática. A escolha de Waldir Pires, um homem a quem o Brasil deve muito, para ministro da Defesa já era um ato impregnado de coreografia panfletária. Um governo de esquerda dizendo ao povo que o perseguido pelos milicos ia agora mandar nos milicos. Mais caricatural só em história em quadrinhos.

É claro que ia dar errado. A história política de Pires é peitar os militares. Ele não sabe interpretar outro personagem. E Lula já sabe que as coisas boas de seu governo não são visíveis. Sua criptonita é o mito do pobre de esquerda. E tome reciclagem de símbolos, e tome fetiche.

Assim como era evidente que as Forças Armadas seriam um excelente agente para o zoneamento da Amazônia, não há por que acreditar que os militares são o problema do Cindacta. A Aeronáutica, assim como o Exército e a Marinha, é uma instituição fundada na busca da excelência técnica e na disciplina. Numa atividade onde não pode haver falha, como o controle do espaço aéreo, a rigidez de conduta dos códigos militares é um trunfo.

É curioso que num governo onde o serviço público passou por forte loteamento político, com órgãos cruciais como as agências reguladoras sendo entregues a afilhados partidários, possa prosperar essa idéia de entregar o controle aéreo a civis.

Quem serão esses bravos civis que devolverão segurança e ordem aos vôos no Brasil? Os civis do Jader Barbalho, do Berzoini, do Maluf ou do Collor?

As Forças Armadas não podem ficar reduzidas a bucha de populismo esquerdista. Ou a ficção científica para essas forças-tarefa de mentira, quando os governantes querem espalhar soldadinhos para brincar de segurança pública.

Exército, Marinha e Aeronáutica são patrimônios brasileiros, especialmente valiosos nesse território continental, hostil e quase ingovernável. Se a opção for mesmo deixá-los à míngua, em nome de bravatas desmilitarizantes, depois não se poderá estranhar que sua vocação principal passe a ser o desvio de armamento para o crime organizado.

Com a licença dos heróis da resistência à ditadura, esse plano de desmilitarização é, hoje, o que há de mais reacionário.

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